Márcia Rosa redescobre a Arte
Por Armindo Trevisan
Para dar a entender, aos visitantes da Mostra de Pinturas da Márcia Rosa o que entendo por redescobrir a Arte valho-me de dois exemplos: de uma canção, e de um texto.
Cito, primeiramente, a canção de Edith Piaf, que ainda hoje consigo cantarolar para mim mesmo, quando estou só: “Non, rien de rien/ non je ne regrette rien”...”Um de seus versos ficou gravado em meus ouvidos: “Je répars à zero”, ou seja: “eu recomeço de zero”.
A outra referência é do conto “Duelo de Farrapos”de Simões Lopes Neto, grande contista gaúcho, no qual ele fala de uma mulher muito bela, que provocou, até, uma rivalidade amorosa entre dois generais, devido ao seu olhar. As frases concisas de Simões Lopes dizem tudo: “Se era linda a beldade! Sim, senhor (...) e olhava pra gente como o sol olha pra água: atravessando.”
Sejamos sinceros: depois de mil e quinhentos anos de arte figurativa, seguida por uma centena de “ismos” que a foram alterando, revolucionando e destruindo-a, veio a Arte Abstrata com Kandinsky e Mondrian, entre outros que a substituíram. O que aconteceu? Aconteceu que a Ciência e a Tecnologia invadiram a própria sensação óptica. Em suma: com o triunfo da Comunicação Áudiovisual que se apoderou de tudo, a sensibilidade estética fatigou-se, e em algumas pessoas exauriu-se.
Cansamo-nos, de certo modo, de tanta visualidade! É preciso, por assim dizer, voltar às origens, sermos mais modestos, começarmos a olhar pela primeira vez.
Já não lembro quem, diante das pinturas aparentemente deformadas de Cézanne, cunhou uma expressão nova, chamando Cézanne e seus acompanhantes: “Os Primitivos da Nova Visualidade.”
Sim, estamos, de algum modo, saturados de tanto ver... Márcia Rosa decidiu inverter a direção de suas pesquisas: apaixonada pela Ecologia, dispôs-se a tornar-se “ingênua”, recém-nascida de olhos, e resolveu aplicar técnicas, por vezes refinadas, como a do dourado dos ícones, que ela trouxe às suas telas com flores
Até nisso a Márcia tornou-se criança por amor da arte. Encantou-se com as flores, para as quais ninguém quase mais presta atenção. Flores são para serem dadas em aniversários, e sobretudo, quando os namorados têm um mínimo de erotismo arcaico, e as oferecem às pessoas amadas.
Perdoem-me os meus alunos da URGS e outros, que sabem como minhas aulas eram, por vezes, eruditas, baseadas em estudos pessoais longos e cansativos. Meus livros estão à disposição dos leitores que querem notícias de Giotto, Duccio, Caravaggio, Ed.Hopper e se quiserem, de Goya e de Francis Bacon.
Nesta breve apresentação de uma pintora, que tem humildemente feito progressos extraordinários, quero apenas lembrar uma condição para voltarmos a apreciar e a amar as Artes Visuais: deixar a saturação de lado, e olhar os objetos submetidos ao nosso olhar como quem os olha pela primeira vez. Voltar à infância, a uma infância estética, que permita redescobrir o que levou os primeiros homens, sobretudo os holandeses, a contemplarem as flores, mas também os pratos, os talheres, os vasos, nos séculos XVII e XVIII, e a inventarem o que se chamou na língua original “Natureza Silenciosa”, e que em português chamamos de “Natureza-Morta”.
Obrigado, Márcia, por nos ofereceres tuas “Naturezas Vivas...e silenciosas". Sou teu apreciador.
Chegaste a evocar-me nomes clássicos da Arte. Basta isso para dizer que estás redescobrindo a Arte.
Artista -
Márcia Rosa é uma artista com uma extensa formação acadêmica, incluindo especialização em práticas curatoriais pela UFRGS, graduação em Artes pela mesma instituição, doutorado em Artes Visuais pela UNICAMP, e mestrado em Artes Visuais pela Faculdade Santa Marcelina. Além disso, ela possui especializações em Fotografia e Novas Mídias pela Universidade Feevale e em Cinema pela UNISINOS.
Serviço
Abertura: 06 de novembro de 2024 (quarta-feira)
Horário: Das 18h30 às 21h30
Visitação: 07 de novembro a 07 de dezembro de 2024, de quarta a sábado, das 14h às 18h.
Local: Habitart - Rua Coronel Armando Assis 286, bairro Três Figueiras. Porto Alegre.