Carlos Vergara: Poética da Exuberância abre dia 24 de fevereiro, às 11h, no Museu de Arte do Rio Grande do Sul, com visita guiada pelo curador Luiz Camillo Osorio e pelo artista, e, às 14h, na Fundação Iberê, seguida por uma conversa com os dois no auditório
Carlos Vergara - Foto Walter Carvalho
No dia 24 de fevereiro (sábado), a Fundação Iberê e o Museu de Arte do Rio Grande do Sul – MARGS, instituição da Secretaria Estadual de Cultura – SEDAC, inauguram Carlos Vergara: Poética da Exuberância. Com curadoria de Luiz Camillo Osorio (RJ), esta é a primeira vez que ocorre uma única exposição, simultaneamente, em duas instituições.
“É da casa-ateliê de Vergara, no topo de Santa Teresa, bairro boêmio e residência de artistas consagrados do cenário nacional, que saem preciosidades – algumas das quais expostas na Fundação Iberê e, outras, no Museu de Arte do Rio Grande do Sul, numa homenagem que as duas instituições, de forma rara e inédita, prestam a este artista de Santa Maria, já consagrado internacionalmente”, diz Emilio Kalil, diretor-superintendente da Fundação Iberê.
“Igualmente a Iberê Camargo, de quem seria aluno e assistente, Vergara sempre se afirmou e segue se afirmando como gaúcho, mesmo não tendo efetivamente vivido no Estado, assim expressando sua vontade de como ser reconhecido. Essa compreensão dos caminhos que ligam ambos os artistas se renova em 2024 com uma exposição ímpar, que o MARGS e a Secretaria de Estado da Cultura têm a honra e a satisfação de apresentar conjuntamente com a Fundação Iberê”, ressalta Francisco Dalcol, diretor do Museu de Arte do Rio Grande do Sul.
As mostras reunirão, no segundo andar da Fundação, 69 obras, com destaque para desenhos e pinturas em papel, da década de 1960 nunca expostos, produzidos quando Vergara era assistente de Iberê Camargo no Rio de Janeiro, e outras 19 em duas salas no MARGS.
“Carlos Vergara, além de gaúcho, foi assistente de Iberê, em meados dos anos 1960, no Rio de Janeiro. Este período foi uma escola sem igual, onde rigor poético e liberdade criativa eram transmitidos em ato. Já era tempo de uma exposição do aluno consagrado e rebelde na fundação do seu mestre. Juntá-la a uma outra complementar no MARGS, onde parte significativa da memória da arte gaúcha é preservada e atualizada, faz desta ocasião uma verdadeira ocupação Vergara em Porto Alegre”, destaca o curador.
Além do diálogo com Iberê, Luiz Camillo afirma em seu texto curatorial que Vergara se apropria da liberdade gestual de Wesley Duke Lee: “A linha ganhava densidade política e era mais mancha que contorno. Ela se movimenta pelo papel com fluência, mas o seu tom é grave. Seu desenho parece sempre na iminência do grito, eles não falam baixo. Vergara é mais trágico do que lírico – isso se desdobra pelo resto da sua obra. Outra marca de sua relação próxima com Iberê no começo de sua trajetória. Não obstante esta dimensão trágica, presente na expressividade do gesto e na tendência sombria de sua paleta de então, há uma abertura para olhar o mundo em sua intensidade vital. Vergara olha em todas as direções, tem interesse genuíno pelo que rola à sua volta, daí sua exuberância plástica e visual. Isso o leva a “olhar para fora”, como ele gosta de dizer, de modo a explorar as intensidades episódicas que irrompem no meio do caos, da opressão, da desigualdade.”
Ele segue: “Ao longo de 60 anos de trajetória, é raro vermos um artista tão ávido pela aventura poética e pelo encantamento visual. Sem medo dos excessos, ele se apropria de novos suportes e das novas tecnologias, sem abandono das linguagens tradicionais. Seja pelo registro fotográfico, seja por uma pequena impregnação em um lenço de bolso, seja mesmo em uma tela, qualquer coisa que o surpreenda é apropriada, incorporada e recriada. Aquilo que nela está continuamente nos mirando e seduzindo, é sua força de vida”.
Vergara: de aluno e assistente de Iberê a um dos principais artistas de sua geração
Nascido na cidade de Santa Maria (RS), em 29 de novembro de 1941, ainda criança, Carlos Vergara acompanhou com a família as mudanças de seu pai, reverendo da?Igreja Episcopal Anglicana do Brasil, até se estabeleceram em 1954 no Rio de Janeiro, a partir de onde vem desenvolvendo, desde os anos 1960, toda a sua produção e trajetória.
Aos 22 anos, conheceu Iberê Camargo, de quem foi aluno e assistente no ateliê localizado na Lapa. “Ele montava umas naturezas mortas pra eu desenhar e, quando precisava de mim, me chamava: Espreme aqui vermelho, branco…”, recorda o artista, que nesta mesma época também jogava vôlei profissionalmente.
“Ele (Iberê) ficava com ódio, porque chegava seis e meia da tarde, e eu dizia que tinha que ir embora por causa do treino. Ele ficava louco: Não pode! Ou tu és artista, ou esportista! Eu acho que daí nasceu uma amizade muito grande. Eu conto uma história que é verdadeira: às vezes, o Iberê ficava muito brabo com uma coisinha mínima no quadro. Ele gastava aquela tonelada de tinta, mas não gostava… E eu falava: Iberê, tá pronto! Tá pronto, não mexe mais, pelo amor de Deus! E ele: Não, tchê, aquele troço tá me agoniando! Ele ia lá e, pronto, estragava tudo. Um dia, tinha um quadro enorme, que tinha ficado pronto. Ele já tinha sentado, eu havia lavado tudo, havia limpado a paleta, que era um carrinho de rodas… Depois, quando já estava em casa, de repente, liga a Maria: Vergara, vem pra cá, que ele tá querendo mexer de novo! Foi uma convivência muito intensa mesmo. (...) Durante os anos em que trabalhei com Iberê, eu desenhava muito, e ele era muito rigoroso mesmo. Olhava meus trabalhos e dizia: Rasga! E eu demorei um tempo para saber porque era ruim. E quando ele dizia, entusiasmado: Isto aqui é um desenho! Também demorei um bom tempo para compreender aquilo ali. Mas aprendi”, recorda o artista.
Em 1965, Vergara participou da mostra Opinião 65, no Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro, um marco na história da arte brasileira, ao evidenciar essa postura crítica dos novos artistas diante da realidade social e política da época, que Iberê era totalmente contrário: “Iberê estava muito incorporando a coisas da visualidade geral. Daí ele disse para mim assim: Olha, eu acho que está na hora de tu teres a tua vida própria. Depois eu passei mais ou menos uns 15 anos sem ter um contato mais próximo com ele”.
A partir do Opinião 65 se formou a Nova Figuração Brasileira, movimento que integrou junto com outros artistas, como Antonio Dias, Rubens Gerchmann e Roberto Magalhães, que produziram obras de forte conteúdo político.
Na década de 1970, Vergara volta seus olhos para a grande festa do carnaval do Rio. Um de seus objetos preferidos é o bloco Cacique de Ramos, com milhares de figurantes, onde todos são iguais: “não há índios, só caciques”. Estuda, através de imagens, como a individualidade é preservada, através de traços característicos, naquela união maciça que pode diluir os egos no deslocamento do grupo imenso, ao som ritmado, pelas ruas da cidade.
É tempo, também, em que desenvolve uma série de projetos premiados para as agências da VARIG no Brasil e no exterior: São Paulo, Cidade do México, Paris, Tóquio, Nova York. A partir dessa experiência multiplicam-se seus trabalhos em espaços arquitetônicos que se estendem até os dias de hoje: BCN, Itaú, Jornal do Brasil, Barra Shopping, Morumbi Tower, entre tantos.
A partir dos anos 1980, abandona a figuração e inicia um processo de criação anexando registros de vestígios naturais ou arquitetônicos, transferindo para as telas, em lona crua, pigmentos colocados sobre a superfície de um local, quando captura imagens, imprimindo-as como monotipias, para, em seguida, realizar intervenções com o acréscimo de outras cores, reinventando o real, num trabalho que considera livre.
Em 2003, Vergara esteve em Porto Alegre para acompanhar a inauguração de seu grande painel Todas as Horas – que muitos transeuntes chamam carinhosamente de Zepelim, devido à forma elíptica –, projetado e confeccionado junto ao Aeroporto Salgado Filho, e que mede mais de 30 metros de comprimento. Ele foi um dos três artistas escolhidos para criar obras para o local. Os outros dois foram Regina Silveira e Mauro Fuke.
Em sua trajetória, Carlos Vergara realizou mais de 180 exposições individuais e coletivas de seu trabalho.
70 anos do MARGS na Fundação Iberê
A parceria entre as instituições segue durante o ano de 2024, integrando a programação alusiva aos 70 anos do Museu de Arte do Rio Grande do Sul. No dia 15 de junho, será inaugurada na Fundação uma exposição com obras de Iberê Camargo pertencentes aos dois acervos, destacando a relação entre o pintor gaúcho e o MARGS.
“A parceria reforça vínculos que evocam a memória e a institucionalidade. Em 1984, Iberê destinou seu arquivo pessoal ao Acervo Documental do MARGS. Com a abertura da Fundação Iberê, parte dessa documentação foi transferida para a sua guarda em 2004, celebrada à época com a exposição “Iberê Camargo — Uma perspectiva documental” no Museu. Hoje, o MARGS mantém sob guarda um amplo dossiê documental sobre Iberê, que recentemente foi digitalizado e se encontra disponibilizado em meio online”, destaca Dalcol.
SERVIÇO
Carlos Vergara: Poética da Exuberância
Curadoria: Luiz Camillo Osorio
Abertura: 24 de fevereiro | Sábado
Abertura no MARGS: 11h, seguida de visita guiada pelo curador e artista
Abertura na Fundação Iberê: 14h | Às 16h, ocorre conversa com artista e artista no auditório
Visitação: até 5 de maio de 2024
Visitação no MARGS: Terça-feira a domingo, das 10h às 19h (último acesso às 18h), sempre com entrada gratuita. O MARGS também oferece ao público visitas mediadas às mostras, mediante agendamento através do e-mail educativo@margs.rs.gov.br. São também oferecidas visitas técnicas ao Museu, mediante solicitação prévia e avaliação.
Visitação na Fundação Iberê: Quarta a domingo, das 14h às 18h30 (último acesso às 18h30). Às quintas, a entrada é gratuita, e, de sexta a domingo, os ingressos custam entre R$10 e R$30. As visitas mediadas às exposições em cartaz devem ser agendadas pelo e-mail agendamento@iberecamargo.org.br ou pelo telefone (51) 3247 8013.
Observação: No mês de fevereiro, a ENTRADA GRATUITA na Fundação Iberê.
Jornalista responsável: Roberta Amaral