A SHEINLÂNDIA E O CUSTO DO CONSUMO SEM CONSCIÊNCIA

Olhando alguns relatórios sobre o crescimento das fast fashion após a pandemia, impossível não se espantar com a gigante chinesa Shein, que dispensa maiores apresentações (para o bem ou para o mal) e já ultrapassa os US$ 100 bilhões. A fórmula mágica é despejar diariamente no mercado milhares de novos produtos, que são comprados, usados e descartados rapidamente mundo afora, gerando uma série de problemas. O mundo dos negócios costuma ficar maravilhado com ascensões meteóricas no comércio eletrônico, e a Shein, fundada em 2012, já está presente em 150 países, batendo em faturamento o grupo Inditex e outros players de peso, oferecendo roupas com design moderno a preços muito acessíveis, principalmente para jovens e adolescentes. Mas como eles conseguiram fazer isso tão rapidamente? Aparentemente, fazendo bom uso de sua comunicação digital e escondendo o que não pode ser mostrado.

O marketing é concentrado nas mídias sociais e, a cada curtida, as clientes ganham pontos que se transformam em descontos a partir de determinado valor acumulado. O site é um espaço frenético de promoções mas há acesso à página de responsabilidade social com informações bem sucintas, para não dizer vagas, sobre as práticas com a comunidade, ambiente de trabalho e meio ambiente. Os fãs da plataforma não parecem se importar, ou talvez não percebam os efeitos nefastos que o excesso de consumo provoca no meio ambiente e no tecido social, temas já abordados à exaustão (e talvez por isso mesmo rejeitados). A Sheinlândia é muito envolvente, com sua aura de gameficação das promoções, atraindo os compradores compulsivos, mas também os que vêem nessas redes a única opção de se vestir na moda sem gastar muito. E quem tem o direito de lhes negar o acesso ao bonito e barato, quando a moda deveria ser para todos, não é mesmo?

Quando compramos um produto, queremos acesso a um determinado estilo de
vida. Validamos, com nossas escolhas, as boas ou as más práticas do mercado.
Porém, quando consumimos e postamos nossas “comprinhas”, também somos
consumidos. De certa forma, colocamo-nos na prateleira das redes sociais, num
modo de produção em que a vida e o lifestyle de cada um é o produto. Quem lucra
com isso? Ora, para se expor numa vitrina instagramável e ser percebido, é preciso
ter a aparência que vende. A Shein entendeu e passou a oferecer esse imenso
parque de diversões consumistas. O que ninguém sabe é que alguém está pagando
caro para esses produtos serem tão baratos. Não existe mágica!

Quantos casacos e jaquetas precisamos em nosso guarda-roupa? De quantas cores? Precisamos ter a cor do ano da Pantone ou da WGSN para sermos aceitos socialmente? O consumo excessivo e o descarte precoce são alguns dos motivos para o exorbitante número de mais de 4 milhões de toneladas de resíduos têxteis desperdiçados por ano no Brasil. Quem divulga o número é a Abrelpe (Associação Brasileira de Limpeza Pública e Residuos Especiais), e é claro que, além da quantidade descartada, preocupa a poluição ambiental causada pelos materiais e químicos utilizados, provocando grandes danos para a população e o planeta.

Entretanto, não se pode esquecer que esse é um modelo de negócios em que a produção está atrelada a um consumo rápido, impulsivo, que tem como conceito a não repetição dos looks e o veloz desuso das roupas, inclusive pela baixa qualidade. Sua lógica é insustentável, mesmo com todas as melhorias e tentativas de circularidade, ainda ínfimas, face ao volume total produzido - pois segue incentivando o consumo em excesso e o uso de recursos que não são infinitos - o resultado é uma cadeia de problemas que vão desde as emissões de gases causadores do efeito estufa (e aqui entra não só a etapa de produção, mas também a de distribuição, entrega e uso dos produtos), a alta demanda por matérias-primas e o gigantesco volume de descarte inapropriado destas roupas, em sua maioria feitas de tecidos sintéticos, com alto poder poluidor.

Comprovando o que já sabemos desde o desabamento do complexo têxtil Rana Plaza (ocorrido em 2013), voltamos a ver os direitos dos trabalhadores violados. Recentemente, um novo documentário investigativo da emissora britânica Channel 4 revelou que, por trás dos preços baixíssimos praticados pela Shein, estão trabalhadores em regime análogo à escravidão. A história se repete, a exploração também, e quem assistiu a “The True Cost” sabe do que estou falando. Quem não, é só procurar na Netflix. O documentário, de 2015, demonstra bem qual é o verdadeiro custo da moda, que ninguém vê.

Fotos: Unsplash