De longe é difícil saber se a nova residência do Museu Whitney de arte americana é um navio, uma fábrica ou um hospital. De perto, as amplas janelas, que dão um ar de loft ao espaço, se abrem de leste a oeste, oferecendo uma prévia do que habita esta interessante edificação. O prédio, criado por Renzo Piano, foi recebido com opiniões divergentes. Os críticos puristas de arquitetura reagiram com opiniões negativas, que outros com mente mais aberta descartaram como atraso criativo.
O que todos concordam, no entanto, é que o novo endereço do celebrado museu segue a filosofia de sua criação, de permanecer interessante e envolvido com o que está acontecendo na cultura local. A chegada do museu ao Meatpacking District ajuda a cimentar a ideia de que esta região, junto ao Chelsea, é de fato a nova meca da arte em Nova York.
Em seu quarto endereço desde sua origem nos anos 1930, o Whitney está acostumado a controvérsias. Em seu início, através da mente brilhante da escultora Gertrude Vanderbilt Whitney, a organização enfrentou dificuldades. Esta artista, que viu necessidade de criar um fundo dedicado exclusivamente a artistas americanos vivos, viu sua doação de mais de 500 obras ser recusada pelo Metropolitan Museum of Art. Foi então que essa visionária abriu a primeira sede do museu no Greenwich Village. Nos anos 1960, depois de lotar sua segunda sede na rua West 54th, o arquiteto Marcel Breuer revelou a terceira sede do museu e sua obra-prima do movimento brutalista de arquitetura. Os residentes do Upper East Side, tradicional bairro de Manhattan conhecido por suas galerias de arte e museus, reagiram em horror. A arquitetura, então, foi considerada ofensiva e exclusiva. A sede criada por Breuer no entanto rapidamente recebeu status cult e permanece até hoje como uma das mais importantes obras da arquitetura brutalista mundial.
Em 1975, o acervo da entidade contava com 2.000 obras de arte americana de todas as eras, e sua equipe empregava por volta de 100 funcionários. O espaço total do museu era de 3.000m2, sendo que 715m2 eram dedicados a seu acervo permanente. Em 2014, o Whitney precisou expandir mais uma vez. Esta gema nacionalista contém hoje mais de 21.000 obras em seu catálogo e uma equipe de mais de 300 funcionários. O novo espaço oferece 2.000m2 para seu acervo permanente, dividido em dois andares, que fazem parte de um impressionante total de 6.000m2. Isso, sem falar que o museu tem também intenções de expandir seus domínios para o cais na beira do rio Hudson, em frente ao seu prédio. Caso necessário, a organização pode ainda ocupar o seu vizinho de porta, um armazém de processamento de carnes construído em estilo Shaker, que por si só é um ícone americano.
O que esse museu criou com sua mudança de endereço foi na realidade uma revolução no cenário da arte em Nova York. Em meio a uma crise de falta de espaço, os principais museus da cidade se encontram tendo que escolher entre histórico e contemporâneo, novo e antigo, dividindo sua arte em categorias e escondendo do público obras-primas que deveriam ser permanentemente acessíveis. O Met, historicamente mais focado em arte clássica, tem uma coleção impressionante de arte contemporânea, porém não tem o espaço para exibi-la. O Moma, depois de duas expansões, continua com dificuldades devido principalmente ao intenso tráfego de turistas em seus apertados corredores. O que o Whitney demonstrou com essa mudança, que custou 422 milhões de dólares, é que arte não deve ser exclusiva. Suas galerias oferecem arte americana, de todas as eras e filosofias, de artistas vivos e mortos. Se a arte é relevante, ela tem espaço nesse museu, sem sacrifícios em prol de espaço ou teorias obsoletas.
Com sua sede antiga vaga, o Whitney disponibilizou 3.000m2 de espaço criado para arte na cidade. O Met por sua vez não perdeu tempo e assinou um contrato de oito anos com a organização. O acervo de arte contemporânea do Metropolitan agora vai ser transferido inteiramente para o antigo endereço do Whitney, mantendo a obra arquitetônica de Breuer viva e inspirando novas gerações. Já o Moma aproveitou a situação financeira infeliz de seu vizinho de porta, o Museu de Arte Folk (habitante de outro tesouro arquitetônico), e vai expandir. O Moma vai passar por uma obra de expansão complicada que, quando concluída, vai abrigar também parte do acervo do seu vizinho que teve menos sorte.
Voltando ao Whitney, fica a dúvida: o que se passa em seu novo endereço? A resposta é: vistas de cair o queixo para o rio, ao oeste, e toda a cidade que está aos seus pés, ao leste. Os ambientes mais arejados contam também com um café a céu aberto, o restaurante Untitled, do chef Michael Anthony (parte do grupo do renomado Danny Meyer), e todas as obras de arte que habitavam salas apertadas e depósitos escuros podem agora ver a luz do dia.
O acervo do museu tem peças internacionalmente reconhecíveis de artistas como Jackson Pollock, Edward Hopper, Willem De Kooning, Georgia O’Keeffe, Andrew Wyeth e Jasper Johns, até locais célebres como Jacob Lawrence. O realismo social de Lawrence retratou, nos painéis de A Grande Migração, a mudança da população negra americana das fazendas do Sul para as áreas urbanas do Norte. Seu trabalho de “cubismo dinâmico” continuou seguindo as batalhas cotidianas que marcaram história através dos anos, como a revolução civil dos anos 1960. A arte pop de Warhol e Liechtenstein é presença óbvia e obrigatória nessa coleção, assim como seus contemporâneos Jean Michel Basquiat, Cy Twombly e Donald Judd.
Os fotógrafos Peter Hujar, David Wojnarowicz, Nan Goldin e Robert Mapplethorpe também merecem destaque, tendo espaço para relembrar um momento da história dessa cidade onde acontecia uma revolução sexual cercada pela epidemia da AIDS. O acervo fotográfico também inclui obras de Man Ray, passando por Diane Arbus até Cindy Sherman. Nomes legendares da fotografia de moda, como Richard Avedon, Irving Penn, Cecil Beaton e o contemporâneo Bruce Weber também fazem parte. Vale destacar o trabalho do fotógrafo social Walker Evans, um dos artistas mais influentes do século 20. Evans registrou a dura realidade do cotidiano durante a grande depressão e continuou ignorando ideais do “sonho americano” e expondo a vida como ela é, até seu falecimento em 1975.
A arte contemporânea está presente de forma extensiva. Paul McCarthy, Julian Schnabel, Chuck Close, Richard Serra e Francesco Clemente são apenas alguns dos artistas que merecem ser citados e continuam produzindo trabalhos relevantes na arena internacional. Outro contemporâneo que se destaca aqui é o renomado abstrata Frank Stella, que tem sua primeira retrospectiva completa em exibição nesse museu.
O exterior dessa edificação oferece uma visita às obras de Alexander Calder e também à arte colorida e interativa de Mary Heilmann, que convida o visitante a sentar e relaxar em um dos diversos terraços. Uma parada para ar puro é mais que necessária enquanto visitando essa extensiva coleção, que é tão criativa e variada quanto a origem étnica e geográfica de seus artistas.
A representação cultural aqui apresenta a mesma diversidade que este país abriga. Os artistas são de origem inglesa, latina, irlandesa, chinesa, alemã ou italiana; para citar alguns. Eles também são de diferentes raças, práticas religiosas e demonstram exatamente o que compõe a força cultural desse país. Mesmo com todas as dificuldades apresentadas por essas diferenças, o museu permanece neutro e inclusivo. Essa organização segue contando histórias e relembrando ao visitante que o mundo é muito mais que um retrato pintado a óleo, é a soma de todas as expressões criativas que resultam da experiência cotidiana humana.