No mundo de hoje, sobram especialistas em tudo; na harmonização, não é diferente! Há pouco tempo, a ideia de harmonizar era quase restrita a vinhos e comida, e quem se aventurava na proposição eram, geralmente, sommeliers, profissionais que estudaram, provaram e testaram até chegar a uma combinação que se orgulhavam de indicar! Como tudo muda e os modismos chegam, hoje em dia todo mundo virou especialista e, na tal da harmonização, vale tudo: cachaça, café, kombucha, até mesmo vinho! Banalizou-se de tal forma que vemos quem proponha comer sushi com vinho tinto de Malbec, queijo azul com tintos secos encorpados, e por aí vai!
É evidente que não há regras absolutas para o tema e que cada um se realiza de maneira diferente, geralmente com aquilo que já conhece, que lhe é confortável. Quem só bebe vinho com muita madeira marcada vai estranhar quando provar um em que a fruta seja a protagonista. Então, por mais que ele combine com determinada comida, provavelmente não encontrará a realização que busca ao beber vinho.
Mas é aí que está o ponto: a ideia de que harmonizar é combinar sabores é uma redução do exercício de harmonizar alimentos. Muito mais do que isso, harmonizar é a arte de gerar novas experiências. Mas, para isso, conhecimento técnico, conhecimento dos alimentos e, principalmente, muita coragem e criatividade são os elementos que levam à criação de harmonizações surpreendentes.
O êxito ou o fracasso de uma harmonização se dá pela combinação dos componentes estruturais de cada alimento. Para isso, devemos conhecer a técnica e os alimentos, mas, principalmente, testar, pois cada alimento pode ter componentes estruturais que não estão à vista dos nossos sentidos, mas que, quando combinados, gerarão sensações inusitadas. Um exemplo: o picante na comida aumenta a percepção de amargor, adstringência, acidez e o efeito ardente do álcool no vinho. Mas nem sempre sentimos toda a picância do prato, pois ela pode estar equilibrada por dulçor, que a mascara e diminui aos nossos sentidos. Mas ela está ali e vai causar essas sensações no vinho, alterando a nossa percepção dele.
O papel de quem se propõe a sugerir experiências harmonizadas é criar combinações em que o vinho ressalte os sabores do alimento e vice-versa. Isso torna uma simples bocada em uma experiência memorável, dialogando com as memórias gustativas de quem come, mas surpreendendo e elevando a régua de percepções e realização.
Confesso que, na maioria das vezes, um não atrapalhar o outro já é um resultado satisfatório, mas as possibilidades de sensações são infinitas e quem sabe se a que mais me realize não será a da próxima refeição que eu fizer? Por isso não desperdiço nenhuma chance de buscar novas descobertas e sensações!