A MODA CONTEMPORÂNEA E O NOVO LUXO: ENTRE SILÊNCIO, SUSTENTABILIDADE E SIGNIFICADO

O termo novo luxo representa uma mudança profunda na forma como o luxo é percebido, consumido e comunicado. Se antes o luxo era sinônimo de ostentação, exclusividade e status visível, hoje ele se desloca para valores como autenticidade, sustentabilidade, tempo, experiência e propósito. Obviamente, as transformações percebidas não são apenas estéticas — elas são também éticas, culturais e simbólicas. O novo luxo não grita; ele sussurra.
A moda, como espelho e agente das mudanças sociais, tem sido palco central dessa revolução silenciosa, tornando célebre o termo “Quiet Luxury”- que não tem nada de novo, exceto o poder disseminador das redes sociais. Em décadas passadas, muito antes da Internet, famílias aristocráticas europeias e elites americanas preferiam peças duráveis, feitas sob medida, com materiais de excelência - sem precisar provar nada a ninguém. Os últimos dois anos viram a ascensão dessa tendência - que está mais para estilo de vida - caracterizada por seu minimalismo discreto, como uma reação à cultura do consumo de ostentação (aquele do “quanto custa o outfit?”) e à estética maximalista das redes sociais. Interessante observar que as novas gerações ficaram sabendo da “novidade” pelo TikTok, uma máquina de produzir e replicar tendências, de forma exponencial.
O fato é que há sempre um gatilho social ou cultural, e, nesse caso, a temporada final de “Succession”, série de sucesso da HBO Max, foi um deles. Com seu figurino recheado de Loro Piana, Brioni, Brunello Cucinelli e Armani em vários tons de cinza, marinho e bege, a série ajudou a popularizar o estilo, que já alcançou patamares populares. Em silêncio e com muita consistência, vimos o crescimento da The Row, queridinha de Millenials e Gen Zs antenados, apostando em qualidade extrema, design minimalista e materiais nobres, sem ostentação: o luxo está no toque, na construção e na história por trás da peça.

E aqui temos um ponto importante e uma virada de paradigma, com a crise e o declínio do luxo tradicional, aquele associado ao consumo aspiracional e à exibição de riqueza e poder. A queda nas vendas e a saturação de mercado obrigaram as marcas a rever posicionamentos e estratégias. Dados recentes apontam que o mercado global de bens de luxo pessoais encolheu: cerca de 50 milhões de consumidores deixaram de comprar esses artigos nos últimos cinco anos. Some-se a isso a questão da banalização do status com a cultura das cópias, os produtos cada vez mais acessíveis e onipresentes, fazendo com que o desejo e a exclusividade diminuam. Isso explica em parte um look cheio de monogramas sair do desejo para o cansaço. Em alguns casos, o excesso de logotipos, a produção em massa e o marketing agressivo começaram a gerar fadiga simbólica entre consumidores mais jovens e conscientes.
Um relatório recente da Bain & Company mostrou que cerca de 60% dos jovens entre 18 e 26 anos preferem comprar peças sem logos evidentes, buscando qualidade e exclusividade acima da marca estampada. Além disso, roupas atemporais resistem às nuances dos ciclos e não ficam datadas, elas duram!

O chamado luxo sustentável, com o uso de materiais orgânicos ou reciclados, rastreabilidade e práticas éticas, já aparece entre as preferências, trazendo um novo tipo de consumo, mais engajado, e um consumidor mais atento, que valoriza transparência e impacto positivo, vendo o consumo como extensão de seus valores pessoais. Entre quem produz, o tempo de produção - lento, artesanal e cuidadoso - torna-se um diferencial. O luxo está em esperar por algo feito com alma, não em ter tudo imediatamente.

Em um mundo acelerado, o tempo livre, o silêncio e a introspecção tornaram-se os novos bens escassos. Marcas que investem em experiências sensoriais, lojas que parecem galerias de arte e coleções que convidam à contemplação despontam como grandes atrações também em termos intelectuais: o novo luxo não tem a ver apenas com produtos e serviços, mas também com conteúdo, narrativa e profundidade. Sua influência na moda deixa de ser apenas visual e passa a ter uma nova postura: menos ego, mais escuta; menos espetáculo, mais substância. Essa transformação sinaliza não apenas uma mudança estética, mas uma revolução silenciosa na forma como nos relacionamos com o vestir e o consumir. Nesse cenário, vestir-se torna-se um ato de expressão ética e cultural, onde cada peça carrega uma história, uma intenção e um convite à reflexão. O futuro da moda de luxo não será ditado pela velocidade das tendências, mas pela profundidade dos significados. E talvez, nesse novo tempo, o verdadeiro prestígio esteja em saber escolher com alma, viver com leveza.
(*) Madeleine Müller, stylist há mais de 25 anos e produtora de moda. Mestre em Ciências da Comunicação pela Universidade Fernando Pessoa (UFP-Portugal); pós-graduada em Moda, Consumo e Comunicação (PUC-RS) e graduada em Direito (PUC-RS). É professora no Design de Moda da ESPM-POA, autora do livro “Admirável Moda Sustentável: vestindo um mundo novo”, ativista do movimento Fashion Revolution. Acredita numa moda responsável e ética, regenerativa de sistemas e agente de transformação social. madeleine.muller@gmail.com

@madi_mulle