ARTE FUNDE A HISTÓRIA

Mais de duas décadas e uma enchente de proporções inimagináveis depois, reencontrei Ricardo Cardoso. Descobri que o talento do artista e o espírito voluntário exercidos por muitos anos haviam se fundido naquele momento em uma imagem congelada em aço corten: era o cavalo Caramelo, imobilizado para sempre na liga metálica com predominância de cobre que sugere a cor a partir da qual o Brasil batizou o animal que se transformou em um símbolo da resistência do gaúcho. Sobre o telhado de uma casa dias a fio, enfrentando chuva e vento sem esmorecer, Caramelo virou escultura nas mãos do artista que domina o ferro. A obra participou do leilão Arte POA que o Studio Prestes promoveu para apoiar os artistas afetados pela enchente, com apoio da ONG Parceiros Voluntários.

Decorreu dessa ação o fato de eu ter sido chamado na primeira quinzena de agosto pelo presidente da Federasul, Rodrigo Sousa Costa, para fazer a curadoria de uma escultura monumental para marcar aquele momento em que o Brasil virou gaúcho, lutando sem bota nem espora, mas com seus braços fortalecidos de solidariedade e amor ao próximo. Não titubeei em desafiar Ricardo Cardoso, ele mesmo saído das águas fétidas na ajuda aos mais necessitados. O resultado do projeto apresentado pelo escultor não decepcionou: um barco, que veio batizado de “Fraternidade” por seu criador, mostra como foi a salvação de adultos, crianças, cachorros e gatos mostrados uma cena de pleno resgate que ele vivenciou, com a licença poética de pessoas sustentando essa embarcação para representar o esforço do nosso Brasil ao nos pegar no colo naquele momento dramático. “Heróis Voluntários” é o nome da obra de três toneladas e meia, com 6 metros de comprimento, 2 metros de largura e 4 metros e meio de altura surgida dessa emoção, experiência e gratidão misturadas à criatividade do artista. Instalada no entorno da Usina do Gasômetro, na orla do Guaíba, ponto de chegada de resgatados das ilhas de Porto Alegre, chega a 5 metros, erguida do solo com cuidado, em meio ao paisagismo criado para acolher a memória carregada de sentimentos contraditórios.

BRASIL VIRA LAGOA

Mesmo depois de as águas retornarem a uma cota segura, para quem viveu de perto a tragédia que sacudiu o Estado, as marcas continuaram refletindo no cotidiano de suas vidas. Para a designer e artista Mariana Prestes – minha filha, companheira no período dramático de maio e sócia no Studio Prestes – sua criatividade devolveu ao país a gratidão sentida por todos os gaúchos, sempre em alta na sua memória. De contornos orgânicos como os da cuia de chimarrão e dos lagos que nos cercam, criou o tapete “Lagoa” para refletir a reconstrução do Rio Grande do Sul após a enchente histórica.

Convidada pela marca Tapetah para representar o Estado no projeto “Abraça Brasil-Minhas Origens”, que reuniu obras de 27 criativos entre arquitetos, designers e artistas em São Paulo no início de novembro, a artista olhou para o Brasil com afeto. Apropriou-se da sensação de paz que vem da natureza, comparável ao coração restaurado das dores de perdas aplacadas e convertidas em alegria pela vida possível. As pinceladas da aquarela com o pôr do sol no Guaíba e as formas abstratas sobrepostas com partes excedentes de tecidos de outros tapetes compõem a imagem que encerra em si todos os Estados. Abraça, assim, o Brasil para demonstrar o reconhecimento por seus esforços para levantar o Estado conhecido por sua hospitalidade aos irmãos de todas as latitudes.