Logo na entrada, um desenho de dimensões generosas nos recebe — é um menino segurando um girassol. Uma suposta inocência que essa descrição possa, eventualmente, nos trazer à mente é imediatamente desafiada pela imagem que se apresenta em uma aguada em tons terrosos, de onde a figura do menino parece surgir. O garoto nos olha direto nos olhos, com um olhar límpido. Na era da imagem gerada por descrições (ou prompts, para os iniciados), a mirada desafiadora em sua sinceridade pode nos desestabilizar.
Olho novamente para o desenho e penso que não há e não haverá inteligência generativa capaz de produzir um olhar capaz dessa reação em mim. O que acontece ali vai além da inegável habilidade e fluência de Bozzetti enquanto desenhista: é a inseparável sinceridade que está sempre junto de um desenho.
O desenho sempre nos fala sobre sua própria feitura — eu costumo dizer que os desenhos são terrivelmente honestos sobre eles mesmos e, sobretudo, sobre como eles foram feitos. O menino nos fala disso: da entrega franca e devota de Bozzetti à prática do desenho, dos muitos anos construindo uma linguagem que avança em saltos, que vem encostando na pintura, mas se recusando a abraçar seus códigos — acontece que Bozzetti é fiel à linha. Peço licença ao menino, viro o corpo para a direita e tudo muda.
Guilherme Dable
Serviço:
Abertura: 03 de outubro, quinta-feira
Horário: Das 18h30 às 21h
Vigência: 4 de outubro a 1º de novembro, de quarta a sábado, das 14h às 18h
Local: Galeria Habitart - R. Coronel Armando Assis, 286 - Três Figueiras
Sobre o artista:
Gus Bozzetti, 1973, natural de Rio Grande, trabalhou desde cedo na publicidade, onde se especializou como diretor de arte, tanto para propaganda como para publicações e revistas. Cursou as faculdades de História (PUC-RS) e Artes Plásticas (UFRGS).
Desde 2012 mantém uma carreira de artista visual, com um trabalho basicamente em desenho e pintura. Com uma poética que se desenvolveu em torno do estudo da figura humana, seus trabalhos costumam versar sobre essa temática. A partir de 2019 inicia uma pesquisa sobre memória e invenção, onde reflete sobre as relações familiares.
Nos últimos anos realizou diversas exposições, tais como APOTHEOSIS (2012), URSA MAJOR (2013), BACK IN BLACK (2016) , VIVO COM OS ABUTRES (2019) e ONDE COMEÇA O JARDIM? (2022).
Sobre o curador:
Guilherme Dable (Porto Alegre/RS, 1976) é doutor em Poéticas Visuais pelo IA/UFRGS, instituição onde também concluiu a graduação e o mestrado em Artes Visuais. Foi um dos fundadores e co-gestor do Atelier Subterrânea, espaço independente baseado em Porto Alegre ativo entre 2006 e 2015 com um intenso programa de exposições e eventos. Vive e trabalha a partir de Porto Alegre.
Sua pesquisa abarca principalmente as linguagens do desenho e da pintura, expandindo-se para investigações que flertam com a ocupação do espaço, não atendo-se somente aos suportes tradicionais das linguagens. O trabalho pensa relações entre arquitetura, memória, paisagem e as características diagramáticas da linguagem do desenho, utilizando-se eventualmente de métodos não convencionais para produzir desenhos, tais como instrumentos preparados ou a umidade dos sapatos.
Entre as exposições, destacam-se as individuais não um tempo, mas um lugar (2022), Museu de Arte do Rio Grande do Sul, Porto Alegre; Fiz ele soletrar seu nome (2017), Galeria Anita Schwartz, Rio de Janeiro; The radio was always on in the kitchen (2016), Belmacz, Londres; Um desenho enorme (2015), Espaço de Artes da UFCSPA, Porto Alegre; Deste lugar entre meio-dia e duas horas da tarde, Roberto Alban Galeria, Salvador; Latentes (2013), Sala Recife, Recife; Álibis, desvios e atos falhos, Galeria Eduardo Fernandes, São Paulo.
Entre as coletivas recentes, Acervo em Movimento: aquisições 2019-2022; Haverá Consequências, Fundação Vera Chaves Barcellos, Viamão; (2023), MARGS;
Experimento Subterrânea (2019), MACRS, Porto Alegre; B, Belmacz; Apologue, Un-Spaced, Paris; Lento Crepúsculo, Pinacoteca Rubem Berta, Porto Alegre; Alucinações à beira-mar (2017), MAM-Rio, Rio de Janeiro; Aã, FVCB; Em Polvorosa (2016), MAM-Rio.
Foi artista residente no Instituto Torus, Garibaldi, Brasil, e no Vermont Studio Center, Johnson, Estados Unidos. Seus trabalhos encontram-se nas seguintes coleções públicas: Coleção Gilberto Chateaubriand/MAM-Rio; Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro; Museu de Arte do Rio Grande do Sul, Porto Alegre; Instituto Ling, Porto Alegre; Casa do Olhar Luiz Sacilotto, Santo André; Museu de Arte Contemporânea do Rio Grande do Sul; Fundação Vera Chaves Barcellos, Viamão; Câmara Municipal de Porto Alegre; Pinacoteca Aldo Locatelli, Porto Alegre.